AVIAÇÃO MILITAR & DEFESA

OPINIÃO: Afinal, o Brasil pode derrotar a Venezuela?!

Caças Su-30Mk2 da Venezuela: há temor sobre eles, mas também muita incerteza
Artigo de opinião

Scott Speicher está morto.
É importante recordar.

Ele era piloto de um moderno jato F-18 Hornet da poderosa Marinha dos Estados Unidos. E, mesmo em uma guerra envolvendo 35 países contra o combalido Iraque de Saddam Hussein, o oficial norte-americano acabou abatido por um velho míssil R-40 disparado por um caça MiG-25, uma relíquia soviética dos anos 60.

Mesmo em caso de vitória fácil há baixas fatais, como a do único piloto dos EUA abatido por um caça iraquiano

A história de Scott Speicher deve nos fazer lembrar de um fato que jamais pode ser esquecido: não existe conflito sem perdas. A coalizão liderada pelos Estados Unidos atropelou as tropas de Saddam, mas ainda assim com 292 famílias destroçadas pela dor. Outras tantas tiveram que apoiar feridos, tanto física quanto mentalmente. Os norte-americanos e vários outros países envolvidos em guerras nas últimas décadas sabem bem que os custos sociais de um conflito se prolongam por décadas após o último disparo.

Hoje, com a existência de uma real possibilidade da crise na Venezuela acabar levando o Brasil a um conflito armado, há quem queira uma análise que proporcione aquilo que as guerras menos dão: certezas. Políticos e articulistas se esforçam para “provar” por A+B que força X é melhor que força Y. “A Força Aérea Brasileira é superior à venezuelana”. “O Exército da Venezuela é mais capaz que o colombiano”. E por aí vai.

Quase todas essas “análises” não passam de uma tentativa de reduzir o desconforto na opinião pública.

Em uma primeira camada, militares que podem ser envolvidos na linha de frente têm mesmo que ter essa visão: quem iria para um combate sem um grande otimismo?! É papel de um militar cumprir ordens sem questionar. É papel do treinamento militar fazê-los cumprir ordens. Então a vibração deles é justificável e necessária.

Fabricados pela Embraer e utilizados pelas forças aéreas do Brasil, Colômbia e Chile, o Super Tucano pode fazer grande diferença ao atacar tropas inimigas em solo

Porém, quando levamos para o nível analítico, simplificar pode ser arriscado. Muitas considerações precisam ser feitas. Não há guerras sem riscos, nem há vitórias sem um preço a ser pago.

As simplificações, no entanto, ocorrem rotineiramente. Por uma visão apaixonada pelo lado A ou B, ou mesmo por objetivos nem sempre transparentes ou de interesse público, linhas políticas sempre querem mostrar como fácil aquilo que é complexo. Não se deve cair em qualquer discurso assim. Uma coisa é certa: sempre é difícil afirmar quem pode vencer um conflito ou, ainda pior, mesmo em caso de vitória, qual o custo dela.

Modernizados, os caças F-5 e A-1 da Força Aérea Brasileira são inferiores aos Su-30 da Venezuela, mas são ameaças sérias na ausência deles

O cenário venezuelano posto até aqui sugere que o grande problema é derrotar Nicolás Maduro. Mas quem garante que a eventual queda do atual líder da “revolução bolivariana” significa automaticamente o fim da linha para seus apoiadores?! Maduro tem uma oposição forte, mas também uma rede de apoiadores firme. A queda dele não necessariamente significaria o fim do conflito, ou mesmo o seu arrefecimento. Pode ser que nos anos, ou até décadas seguintes, milícias armadas ainda causem baixas às “tropas de estabilização”. Por outro lado, a simples “decapitação do poder” tem chances de desmobilizar totalmente e rapidamente as forças bolivarianas.

A guerra é complexa. Por isso o prussiano Carl von Clausewitz utilizou uma palavra emblemática para tentar explicar o seu maior desafio: névoa. Na prática, tomar decisões militares, por maior capacidade que se tenha de obter informações, é decidir com um alto grau de incerteza. É a névoa da guerra.

Voltando ao nosso problemático vizinho, pouca gente sensata pode acreditar que a Venezuela é um tema suficientemente forte para provocar um conflito de escala global, com China e Rússia enfrentando os Estados Unidos em uma guerra aberta. Porém, mesmo que ocorra o cenário desejável por essas potências, isto é, um conflito meramente “sul-americano”, o nível de suporte dado a cada lado é ao mesmo tempo um mistério e um fator decisivo.

Modernos e com tripulações bem treinadas, os F-16 do Chile podem ser oponentes à altura para os Su-30 Flanker da Venezuela

O Brasil já disse que não quer tropas estrangeiras no seu território. Mas aceita suporte de inteligência? Aceita doação de material militar? Autoriza sobrevoo de jatos armados? Ou com tropas a bordo? Deixaria porta-aviões e demais navios militares reabastecerem em nossos portos? E a Colômbia, que já convive com tropas dos EUA no seu território, aceitaria uma força maior? Outros países que não reconhecem Maduro, como o Chile, com seu poderio militar exemplar para a região, poderiam dar a sua “cota” de participação?

E o inverso também ocorre. Bolívia, Irã, China e Rússia são países que ainda apoiam Maduro.

Trazendo o debate para o lado das aeronaves, desperta nossa atenção a frota de caças Sukhoi Su-30 Flanker, fabricados na Rússia e recebidos a partir de 2006 pela Força Aérea da Venezuela, oficialmente chamada de Aviación Militar Bolivariana. No papel, são os caças mais avançados da América Latina. Há 23 deles, pelo menos segundo as informações que chegam ao grande público.

Outro destaque são os 18 F-16, de fabricação norte-americana. Ainda que adquiridos nos anos 80, portanto, tecnologicamente ultrapassados, são meios que fazem a diferença no cenário latino-americano.

No dia 29 de março de 2019, a Venezuela inaugurou um centro de treinamento de helicópteros com simuladores enviados pela Rússia, uma possível prova da manutenção do apoio logístico

Como estão essas aeronaves?

Há quem diga que mal voam. Há quem diga que não têm combustível. Há quem diga que faltam armamentos. Os F-16, por exemplo, nem sairiam mais do solo por causa das restrições dos EUA. Os Su-30, caríssimos de manter, estariam ainda piores.

Em novembro de 2013, já sob governo de Maduro, a Força Aérea da Venezuela derrubou um jato Hawker 25, próximo à fronteira da Colômbia. Os prováveis narcotraficantes que ocupavam a aeronave executiva foram abatidos por um F-16, e não por um Su-30. Segundo fontes daquele governo, não foi um caso isolado: os F-16 teriam abatido outras aeronaves em voos irregulares.

Mesmo com mais de 30 anos de uso, os F-16 da Venezuela ainda são aeronaves temíveis no campo de batalha

Também em 2013 houve a expectativa de a Venezuela participar do exercício Cruzex, realizado no Brasil, com a melhor aeronave que possuíam: o Su-30. Porém, repetindo os anos de 2004, 2006 e 2008, a Aviación Militar Bolivariana trouxe apenas os antigos F-16.

A pergunta agora é se os F-16 continuam voando. E a resposta depende da capacidade venezuelana de ter combinado com sucesso uma mistura de engenhosidade e apoios ilegais. É dessa forma que o Irã, por exemplo, voa até hoje aeronaves norte-americanas mesmo após a revolução de 1979. Possível? Sim. Provável? Não. Mas o importante é: podemos seguramente dizer “Sim” ou “Não”? De forma alguma.

A Rússia já não teria traduzido o seu apoio diplomático em efetivo suporte bélico? Por que não? Se a resposta for sim, então podemos imaginar que os Su-30 estão muito bem.

No início de fevereiro, a “Marinha Bolivariana” publicou um vídeo de qualidade questionável que mostrava pelo menos dois Su-30 em operação. E não só: disparavam mísseis anti-navio. Se é verdade ou um truque de edição, ou ainda se as imagens são antigas, tudo entra naquilo que podemos chamar de “névoa da guerra”. Ir para o conflito é se mostrar pronto para pagar para ver.

Em março, houve relatos de que os Su-30 venezuelanos estariam sobrevoando tropas do seu próprio país enquanto rompiam a velocidade do som. A ideia era exatamente causar o conhecido boom sônico com o objetivo de elevar a moral dos soldados. É um indício de operação, só que voar por voar não significa muito.

A possibilidade de haver apoio russo também se aplica às tão faladas baterias de defesa antiaérea, as mais capazes do continente. Sim, podem estar prontas para disparar, inclusive a centenas de quilômetros dentro do território brasileiro (!). Podem, também, serem meros alvos.

Com centenas de quilômetros de alcance, os sistemas defesa antiaérea S-300 devem ser o alvo prioritário de qualquer ação militar contra a Venezuela

E o treinamento?!

Como dito, em 2004, após um convite brasileiro, a Venezuela chavista levou para Natal (RN) caças da sua Aviación Militar Bolivariana. Era a primeira participação no exercício Cruzex, a maior guerra aérea simulada do continente. O mesmo ocorreu em 2006, 2008 e 2013, neste último com os militares da Venezuela voando lado a lado com caças F-16 dos Estados Unidos e Chile. Canadá, Colômbia, Equador e Uruguai, além do Brasil, também tiveram aeronaves no exercício.

Caças do Chile, Brasil e Venezuela em voo durante a Cruzex 2013

Além de as aeronaves realizarem seus treinamentos, oficiais de patentes mais altas treinavam a cadeia de comando e controle de uma coalizão de forças aéreas. O padrão seguido na Cruzex é o da OTAN. Até os códigos entre os pilotos são os mesmos, em inglês. Se os venezuelanos tiveram ou não um bom desempenho, ou se vieram “escondendo o jogo” ou não, o importante é que as forças de Maduro sabem muito bem o que há além de suas fronteiras.

Por outro lado, Brasil e Colômbia, respectivamente equipados com seus caças F-5 e Kfir, ambos já bastante antigos, porém modernizados, acumulam idas à Red Flag, um treinamento no deserto dos Estados Unidos com nível particularmente elevado. A Força Aérea Brasileira esteve lá duas vezes (em 1998, com os caças de ataque A-1 AMX, e em 2008 com os F-5). Já os Colombianos tiveram participações na Red Flag em 2012 e 2018.

Em 2012, a Força Aérea Brasileira e a Aviación Militar Bolivariana realizaram a sexta edição do exercício VENBRA, de combate a voos ilegais na fronteira. Militares de ambos os países atuaram juntos no planejamento, no exercício e na avaliação final

Diretamente, poucos jornalistas estiveram presentes nas Bases Aéreas de El Libertador e Teniente Luis del Valle García, onde estão os caças venezuelanos. Alguns relatam baixos níveis de operacionalidade e moral baixa entre os militares. Porém, vale lembrar que a Venezuela desperta interesses e ideologias em todos nós, sobretudo latino-americanos, seja para criticar, seja para simpatizar. A avaliação subjetiva desses jornalistas, portanto, deve ser recebida sempre com um certo nível de ceticismo.

Da parte de cá da fronteira, conhecemos bem as nossas potencialidades e limitações, sejam essas últimas do tipo que não se resolve sem um grande investimento (como receber novos caças), ou do tipo que revela apenas a necessidade de maior treinamento ou gasto com manutenção de curto prazo. Porém, mesmo se conhecendo, e fazendo tudo como deve ser feito, ainda assim a “névoa da guerra” está presente e é cruel.

Mesmo que Brasil ou Colômbia não aceitem tropas dos EUA em seus territórios, cada porta-aviões da US Navy tem capacidade de levar uma ala aérea mais letal que qualquer força aérea sul-americana. Quem sabe os F-35 não alcançariam suas primeiras vitórias ar-ar?

Foi o caso do caça de ataque Tornado na Guerra do Golfo. Modernos e com tripulantes preparados para combater os soviéticos em uma eventual Terceira Guerra Mundial, esses caças foram as principais vítimas aéreas dos aliados nos primeiros dias de ataque contra as forças de Saddam. Nada menos que seis Tornados britânicos e um italiano não conseguiram voltar de suas missões.

O perfil de ataques a baixíssima altura acabou se revelando eficiente, mas com chances de sobrevivência menores que o esperado. Neste caso, não faltaram recursos nem treinamento: fizeram tudo certo, mas simplesmente a realidade guerra mostrou que o plano inicial não era adequado.

Respondendo então à pergunta inicial: o Brasil tem como encarar a Venezuela? Não tem como saber, essa é a verdade. Temos capacidade de enfrentar os venezuelanos, com o apoio de mais países sul-americanos (como o Chile, que tem mais de 40 F-16 na sua frota)? Sim, temos.

Do próprio território norte-americano os EUA têm a capacidade de atacar alvos em qualquer parte da Venezuela, inclusive com aeronaves stealth

Podemos arriscar que há uma chance significativa de que Brasil, Colômbia e Chile têm forças armadas que, juntas, venceriam as forças bolivarianas. Com a ajuda dos EUA, mesmo que limitados a ataques aéreos e suporte logístico, é bastante improvável imaginar que as forças regulares da Venezuela vão durar muito tempo. Isso significa que vai ser um passeio? Impossível de dizer.

Afinal, mesmo que os caças inimigos caiam, mesmo que o ditador do outro país seja afastado… …é mera ilusão achar que é possível prever tudo o que pode ocorrer em um conflito armado. Muito menos que exista vitória sem derrotas.

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Redação

Comentários

  • Simplesmente bela analise guerra é como a caixa de pandora, lembro do caso das perdas da Royal navy nas Malvinas.

  • Maduro foi alçaco ao posto de presidente através de eleições gerais, portanto, não deve mem pode ser considerado um ditador. O fato de ele não atender aos interesses americanos, não o torna menos democrata!

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