AVIAÇÃO MILITAR & DEFESA DOS ARQUIVOS DE ASAS

72 F-16 e muitas falhas: os erros do maior ataque aéreo da Guerra do Golfo

Destroços do F-16 abatido em 19 de janeiro de 1991, no Iraque. O canopi foi encontrado na invasão de 2003 Foto: US Army

Há exatos 30 anos, em 19 de janeiro de 1991, nada menos que 72 caças F-16 Fighting Falcon foram utilizados de uma só vez em um ataque aéreo dos Estados Unidos a Bagdá. E eles não estavam sozinhos: mais oito F-15C Eagle, oito F-4G Wild Weasel V e dois EF-111 Raven também foram utilizados. Surpreendentemente, o chamado Package Q não conseguiu cumprir sua missão, e dois caças foram perdidos, com seus pilotos capturados como prisioneiros.

Já era o terceiro dia de bombardeiros intensos no Iraque e a United States Air Force (USAF) acreditava que as defesas aéreas de Saddam Hussein já estavam enfraquecidas. Era a hora do centro de Bagdá ser “visitado” por mais aeronaves além dos jatos stealth F-117, o que possibilitaria uma quantidade de carga bélica muito maior de uma só vez. Os alvos envolviam uma suposta instalação de pesquisa nuclear, uma refinaria, unidades da Guarda Republicana e uma série de prédios do governo iraquiano e do partido Baath. 

Cada F-16 levava dois tanques auxiliares, dois mísseis ar-ar para autodefesa e duas bombas Mk 84, de 2000 libras (cerca de 907 kg). Ao todo, seriam cerca de 130 toneladas de bombas sobre os militares e apoiadores de Saddam. Porém, apenas uma fração delas efetivamente causou danos.

Caças F-16C são armados com bombas MK-84 durante a Desert Storm, em 1991
Foto: USAF

O primeiro problema foi a distância. Ainda à tarde as aeronaves decolaram de suas bases na Arábia Saudita e no Catar para uma missão de alcance maior que as realizados até aquele momento da guerra. O reabastecimento em voo, já na fronteira iraquiana, foi marcado pelo mau tempo e pelas dificuldades de coordenar dezenas de caças. Dos oito F-16 que iriam atacar a refinaria, quatro precisaram retornar aí.

Problema maior foi para as aeronaves que seriam responsáveis por anular as defesas antiaéreas. Mesmo com combustível extra, os F-4G precisaram voar com a carga bélica limitada a um par de mísseis antirradar AGM-88 HARM. O alcance desses Wild Weasel fez com que eles não pudessem acompanhar os atacantes até o alvo, muito menos durante o retorno. Os HARM foram lançados logo nos primeiros tiros da antiaérea, e logo em seguida os F-16 ficaram por conta própria.  

Caça F-4G durante a operação Desert Storm, em 1991
Foto: USAF

A localização dos alvos secundários também foi um problema: alguns ficavam nos arredores de Bagdá, o que ajudou a alertar todas as defesas antiaéreas quando muitos dos F-16 ainda estavam pesados, levando suas bombas Mk 84 que os impedem de manobras com todo o potencial do jato. Havia confiança de que os F-4G e os EF-111 pudessem conter a ameaça da artilharia iraquiana, o que não se mostrou efetivo.

Na prática, quando a artilharia antiaérea abriu fogo para valer, vários F-16 precisaram alijar suas bombas e tanques de combustível para escapar. Um dos pilotos norte-americanos precisou se evadir com sucesso de seis mísseis lançados pelos iraquianos. Porém, dois F-16 não tiveram a mesma sorte e foram atingidos. Seus pilotos ejetaram e se tornaram prisioneiros de guerra.

Caças F-16C durante a Desert Storm
Foto: U.S. Air Force photo courtesy of Col. Bruce Cox

Os iraquianos também tiveram problemas. A confusão causada pelo grande número de caças invasores fez com que mísseis que poderiam ter sido lançados guiados por radar tivessem uma trajetória balística. A inteligência da USAF estima que um par de F-16 que conseguiu lançar suas Mk84 sobre a refinaria foi alvo de nove a 12 mísseis antiáereos em menos de um minuto, mas a maioria sem a guiagem adequada. Os mísseis também deixavam rastros de fumaça, sendo facilmente visualizados.

Para os F-16 que não conseguiram atacar seus alvos, alijar as bombas também foi fundamental para escapar de oito MiG-29 que decolaram em perseguição aos jatos da USAF durante a retirada. Todos conseguiram escapar. Na volta, o baixo combustível dos F-16 foi um fator crítico: um KC-135 da Guarda Aérea Nacional do Kansas decidiu voar onde não era planejado, sobre o território iraquiano. A decisão dos tripulantes do reabastecedor salvou um F-16, que recebeu combustível quando já estava prestes a sofrer uma pane seca.

Desenvolvidos a partir do F-111, o EF-111 Raven era o principal vetor de guerra eletrônica da USAF durante a Desert Storm
Foto: USAF

Para a USAF, em um artigo publicado na Air Force Magazine, o Package Q não foi “nem um fracasso, nem um sucesso estrondoso”. Mesmo assim, é assumido que as forças de defesa iraquianas ainda eram mais letais que o estimado, além de ter havido complicações como as condições climáticas, a saída prematura da cobertura de guerra eletrônica e a coordenação entre as dezenas de vetores aéreos envolvidos.

A Gulf War Air Power Survey destacou as lições aprendidas com o Package Q. “O raid ilustra como uma série de pequenos incidentes – ou atritos -, nenhum dos quais necessariamente graves por si mesmos, podem contribuir para um resultado menos do que satisfatório: neste caso, a perda de dois F-16s”. Também há críticas ao planejamento, com pilotos conhecendo seus alvos a pouco tempo para o ataque, limitando a preparação, além das próprias mudanças de objetivos horas antes das decolagens.

Depois daquela noite, a maioria dos alvos no centro da capital iraquiana continuou sob responsabilidade dos F-117. Caças convencionais, incluindo os F-16, ainda voaram por lá, mas sempre em pacotes com um menor número de participantes que o visto no Package Q. Apesar da vitória incontestável das forças aliadas, a Guerra do Golfo de 1991 não incluiu a invasão de Bagdá, nem a retirada de Saddam Hussein do poder, o que aconteceria somente em 2003.

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