AVIAÇÃO MILITAR & DEFESA

KC-390 é a realização de um projeto de 10 anos

Aeronave foi recebida na Ala 2, em Anápolis, já com tripulantes da FAB. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Um projeto com começo, meio e fim. É assim que pode ser contada a história do KC-390.

Há pouco mais de dez anos, em 14 de abril de 2009, durante a feira de defesa LAAD, a Força Aérea Brasileira e a Embraer assinaram o contrato para o desenvolvimento do KC-390. O projeto desenvolvido ao longo de uma década chegou ao seu ápice hoje, 4 de setembro de 2019, quando a FAB recebeu sua primeira aeronave, que foi “batizada” pelo Presidente da República, Jair Bolsonaro, em cerimônia realizada na Ala 2, em Anápolis (GO).

O Presidente falou sobre soberania durante a solenidade.

O presidente Jair Bolsonaro, participa da cerimônia de entrega da aeronave KC-390 para a Força Aérea Brasileira.

O primeiro ato oficial do Estado brasileiro para criar o KC-390 aconteceu em 23 de abril de 2009, quando o Diário Oficial da União trazia a previsão para um investimento de R$ R$ 3.028.104.951,07 (três bilhões vinte e oito milhões cento e quatro mil novecentos e cinqüenta e um reais e sete centavos) no desenvolvimento da aeronave. Assinaram o “extrato de inexigibilidade de licitação” o então Comandante da Aeronáutica, Tenente-Brigadeiro Juniti Saito, e Major-Brigadeiro Dirceu Tondolo Nôro, à época militar à frente dos projetos de aquisição da FAB.

Dez anos depois, ambos já estão na reserva, e viram hoje aquela iniciativa ser continuada e aprimorada pelos seus sucessores. Curiosamente, a nota oficial da Força Aérea Brasileira sobre o desenvolvimento do KC-390 foi assinada, em 2009, pelo Brigadeiro Antonio Carlos Moretti Bermudez, que na época era o chefe do Centro de Comunicação Social. Hoje ele é o Comandante da Aeronáutica.

O presidente Jair Bolsonaro, participa da cerimônia de entrega da aeronave KC-390 para a Força Aérea Brasileira. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Era um projeto audaz. A iniciativa da FAB já superava as próprias expectativas da Embraer. A empresa havia oferecido uma versão de transporte militar do jato regional 190. Os militares, porém, queiram mais: o desejo seria desenvolver em solo brasileiro um avião capaz de substituir, com vantagens, o C-130 Hércules, uma das aeronaves mais bem sucedidas da história da aviação, com mais de 2.500 unidades vendidas para mais de 60 países.

O C-130 Hércules é uma das aeronaves mais bem sucedidas no mundo, com mais de 60 países operando o modelo

Foram quatro anos de prancheta. Em março de 2013, a Embraer e FAB concluíram a chamada “revisão crítica do projeto”: é quando o desenho da aeronave é efetivamente aprovado, assim como detalhes da sua arquitetura e sistemas. A Embraer chegou a construir uma cabine em tamanho real. Os sistemas do avião já eram testados juntos, em uma espécie de simulador de engenharia, com todos os equipamentos funcionando mesmo fora de um avião. Além da Embraer, outras oito empresas brasileiras ou com operações no Brasil foram envolvidas no desenvolvimento do cargueiro: AEL Sistemas, Eleb, LH Collus, Aerotron, Aernnova, Alestis, Sobraer e a Akaer.

Linha de montagem do KC-390, o maior avião já projetado e construído pela Embraer. Foto: Embraer

Um dos principais desafios era o Fly By Wire, um sistema onde o controle da aeronave é feito por softwares. O KC-390 não tem cabos, molas e hastes para transferir os movimentos que o piloto comanda na aeronave até as superfícies de controle. Todas as informações são processadas em computadores que enviam as ordens de deslocamento diretamente aos atuadores dessas superfícies.

O novo sistema reduz a carga de trabalho do piloto, o que permite aumentar sua concentração na missão e torna a resposta do avião aos comandos mais precisa e segura. É algo utilizado em modernas aeronaves de caça, como o F-16 e o Gripen, e inexistente em aeronaves mais antigas como o C-130 Hércules. O KC-390 é o único avião da sua categoria com Fly By Wire.

A confiança no projeto foi firmada em 20 de maio de 2014, em um hangar de 30 mil metros quadrados na sede da Embraer em Gavião Peixoto (SP). Dilma Roussef anunciou ali o contrato adicional de R$ 7,2 bilhões para a aquisição de 28 aeronaves e de um pacote de suporte logístico, que inclui peças sobressalentes e manutenção. Naquela fase, mais de 50 empresas brasileiras participavam da iniciativa, além de companhias da Argentina, Portugal e República Tcheca.

O KC-390 foi apresentado com as bandeiras dos 4 países participantes

Contrato assinado, o KC-390 precisaria ficar pronto. Em 21 de outubro de 2014, o primeiro protótipo, com a matrícula civil PT-ZNF, foi apresentado publicamente em Gavião Peixoto. O avião estava pronto. A cerimônia chamada de “roll out” marca a conclusão de um projeto e o início das fases de testes reais, que vão desde uma simples corrida na pista até um pouso de alto desempenho. O primeiro voo aconteceu em 3 de fevereiro do ano seguinte, diante de uma plateia emocionada formada principalmente por funcionários da Embraer.

Assista ao vídeo oficial da Força Aérea Brasileira sobre o primeiro voo:

A partir daí surgiram problemas. O mais grave estava na economia do País: a crise econômica fez o governo reduzir a velocidade dos repasses previstos para o projeto, o que levava a Embraer a invariavelmente adiar os cronogramas. Mesmo assim, dois protótipos realizavam testes de voo.

Em outubro de 2017, veio um susto: durante uma simulação de perda de sustentação (estol), um KC-390 ficou fora de controle, tendo a tripulação recuperado a aeronave a 300 metros do chão. As forças G aplicadas causaram danos, inclusive com peças precisando ser repostas, pois se desprenderam durante a descida de quase 2.500 metros em menos de meio minuto. Em 2018, reparada, a aeronave se envolveria em outra ocorrência, tendo saído da pista. Vários itens da parte inferior precisaram ser substituídos.

O Brasil comprovar as capacidades do KC-390 é um dos pontos mais importantes para as exportações acontecerem Foto: Força Aérea Brasileira

A fase de testes foi longa. Para alcançar a certificação da Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC), foram necessárias duas mil horas de voo. No total, 2.500 requisitos forma avaliados ao longo de sete anos de trabalho. Em 19 de outubro de 2018, a ANAC fez sua certificação. Isso significa que embora de utilização militar, o avião atende os níveis previstos no Regulamento Brasileiro de Aviação Civil (RBAC) nº 25, ou seja, tem padrões de segurança idênticos aos aviões de maior porte utilizados na aviação comercial. São aguardadas agora as certificações da Federal Aviation Administration (FAA), dos Estados Unidos, e da European Aviation Safety Agency (EASA).

Pouco antes, em 9 de outubro, voava a primeira unidade de produção em série, que hoje é entregue para a Força Aérea Brasileira. A aeronave foi aproveitada nos testes, realizados tanto no Brasil quanto no exterior.

Na fase atual, são cerca de 100 empresas envolvidas na cadeia de produção. As parcerias já trazem resultados econômicos ao Brasil, tanto pelos contratos em vigor com a Força Aérea Brasileira quanto

Em julho de 2019, Portugal anunciou a compra de cinco aviões e um simulador de voo por 827 milhões de euros. O primeiro será entregue em 2023 e o último em 2027. A Força Aérea Portuguesa irá utilizar o KC-390 em missões da OTAN. Hoje, o governo de Jair Bolsonaro trabalha forte para tentar exportar a aeronave.

Embraer KC-390

No Brasil, a Força Aérea Brasileira vem se preparando há anos para receber a aeronave. Os treinamentos acontecem desde 2018. Militares acompanharem de perto o desenvolvimento da aeronave e elaboraram ao longo dos anos os manuais de operação.

Houve uma situação curiosa: o KC-390 não seria um avião apenas para pilotos de transporte: aviadores de transporte, patrulha, reconhecimento e até de caça foram chamados para compor o grupo inicial de estudos da aeronave. Isso porque o KC-390 tem capacidades inéditas na FAB para aeronaves desse porte, como poder ser reabastecido em voo (além de reabastecer) e contar com um radar de bordo de alta capacidade de detecção de alvos navais, terrestres e até aéreos. O avião não apenas vai substituir os C-130 Hércules, mas vai também desenvolver missões completamente novas.

Não é por acaso que a primeira unidade a operá-lo não ficará sediada no Rio de Janeiro, onde estão os C-130 Hércules. Enquanto a partir da Base Aérea do Galeão, até doze C-130 continuarão voando pelo menos até 2023, o 1º Grupo de Transporte de Tropa (1º GTT) foi transferido em 2018 para Anápolis, onde fica a Ala 2, para viver uma realidade operacional completamente diferente.

Dois protótipos participaram da campanha de ensaios do KC-390

Maior avião militar desenvolvido e fabricado no Hemisfério Sul, o KC-390 tem capacidade para realizar todo tipo de operação de transporte (incluindo lançamento de paraquedistas e de cargas), e também missões de reabastecimento em voo (REVO), evacuação aeromédica, socorro humanitário, busca e resgate (SAR) e combate a incêndios. Sua atuação acontecerá em todo o território nacional e também fora, como durante as missões na Antártica. O avião é capaz de pousar em pistas sem asfalto e operar em ambientes que vão do frio da polar até o calor da Amazônia.

A capacidade de carga máxima, de 23 toneladas, supera a do C-130, porém a principal vantagem é a velocidade: enquanto o KC-390 voa a 870 km/h, seu antecessor vai a 630 km/h. O compartimento de carga tem 18,54 metros de comprimento, 3,45 metros de largura e 2,95 de altura. O espaço é suficiente para acomodar equipamentos de grandes dimensões, além de blindados, peças de artilharia, armamentos e até aeronaves semi-desmontadas. O blindado Guarani, por exemplo, cabe dentro do compartimento de carga do KC-390. Também poderão ser levados 80 soldados equipados em uma configuração de transporte de tropa ou 64 paraquedistas ou 74 macas mais uma equipe médica.

Embraer KC-390 junto ao Hangar do Zepelin na Base Aérea de Santa Cruz/RJ. Foto: Sgt Manfrim / Força Aérea Brasileira.

Se o fluxo de pagamentos ocorrer conforme o previsto, a FAB deve ter todas as 28 aeronaves até 2024. Ainda não foi anunciado quais unidades de quais bases receberão o KC-390, mas fala-se da possibilidade de ver a aeronave operando a partir de Anápolis, Rio de Janeiro e Manaus. A frota será duas vezes maior que a força atual de C-130, com perspectiva de maior disponibilidade, visto se tratar de aeronaves novas.

Militares brasileiros e norte-americanos durante testes com o KC-390. Foto: Exército Brasileiro

É possível que esse prazo de recebimento seja dilatado se houver um grande número de exportações: a Embraer sempre trabalhou com a ideia de oferecer o KC-390 para clientes estrangeiros, e, ainda que o setor defesa da Embraer não esteja envolvido na fusão com a Boeing, as duas empresas vão trabalhar juntas na comercialização do KC-390. O C-130 Hércules é produzido pela Lockheed Martin, empresa concorrente da Boeing. A ideia é oferecer o jato brasileiro dentro de pacotes de venda da Boeing.

Assista ao vídeo da FAB sobre o desenvolvimento do KC-390:

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