AVIAÇÃO COMERCIAL & PRIVADA

Piratas do céu – os riscos do táxi aéreo clandestino

Empresas e órgãos de fiscalização juntam forças para combater o táxi-aéreo clandestino, prática irregular que traz riscos e prejuízos para a aviação brasileira.

Um risco para a segurança do transporte aéreo e ao mesmo tempo uma concorrência desleal para as empresas do setor. Esses são os dois principais motivos para o táxi-aéreo clandestino estar na mira de entidades, órgãos públicos e polícias. Nada menos que 15 entidades do ligadas ao setor aéreo têm apoiado a Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) na campanha “Voe seguro, não use táxi-aéreo clandestino”.

Só entre janeiro e setembro de 2018, a agência interditou 23 aeronaves e suspendeu a habilitação de 18 pilotos em suas ações de fiscalização. Além da multa, os envolvidos podem ser enquadrados no Artigo nº 261 do Código Penal e receber uma pena de dois a até cinco anos de prisão.

Com esse risco, por que, então, ainda há quem pratique o táxi aéreo clandestino? E como atrai clientes?

Fiscais da ANAC no Campo de Marte
Foto: ANAC

A resposta está na concorrência desleal. Enquanto companhias de táxi-aéreo regular, além de serem obrigadas a contratar seguro específico, oferecem aeronaves e tripulantes preparados para a função conforme as regras da ANAC, o que inclui, por exemplo, treinamentos em simuladores de voo, os voos clandestinos voltados ao transporte de passageiros são realizados por aeronaves comuns e por pilotos sem treinamento. A grande maioria envolve aeronaves particulares e pilotos sem a habilitação requerida. Assim, os custos de operação acabam sendo mais baixos, e os voos irregulares podem ser mais acessíveis.

Porém, se engana quem pensa que a prática só é adotada por quem tem poucos recursos. “Quem freta táxi pirata em geral sabe que está fazendo isso, mas prefere correr o risco por causa do custo menor. Até artistas famosos, donos de aeronaves, adotam essa prática ilegal e colocam as aeronaves pessoais para fretamento quando não estão voando”, afirma Flávio Pires, diretor-geral da Associação Brasileira de Aviação Geral (ABAG).

Corroborando isso, não são poucos os famosos que têm sido flagrados como clientes da prática irregular – Maiara e Maraísa, Amado Batista, Claudia Leitte, Marília Mendonça e Anitta são alguns artistas famosos já transportados de maneira clandestina. No caso de Anitta, bombshell de renome internacional, foram dois casos flagrados só em 2018. Em 21 de julho, no Aeroporto da Pampulha, em Belo Horizonte (MG), um jato Phenom 300 foi flagrado em operação irregular. A aeronave foi interditada, e o piloto, suspenso. E, pouco mais de dois meses depois, em 28 de setembro, foi a vez do flagrante de um Cessna Citation. Mais uma vez, as medidas foram aplicadas.

A prática de táxi aéreo clandestino já chegou até a grandes estrelas, como a cantora Anitta Foto: Divulgação

Também em setembro, a ANAC descobriu a operação irregular de um helicóptero que apoiava o evento “Rally dos Sertões”. Em julho, na Paraíba, outro caso chamou atenção: quem comprasse mais de R$ 150,00 durante o evento “Brasil mostra Brasil” ganhava um voo – que era realizado de maneira irregular.

Esses casos têm sido descobertos também com a ajuda das empresas e dos profissionais que trabalham de maneira regular. “O papel da ABAG tem sido de apoiar as autoridades, principalmente no sentido de fazer com que tenham o devido respaldo da comunidade. Monitoramos o sistema por meio dos nossos associados, levamos as situações de conflito e mostramos os truques criados para burlar a fiscalização. Quem quer fazer um voo irregular dificilmente o fará sem ser visto por algum associado”, conta Flavio Pires.

Não há uma rede estruturada para denúncias, porém existe uma de comunicação, de conversas. Aqueles que trabalham de maneira correta não apenas podem levar os casos às autoridades, mas também ajudam na conscientização.

Até os grandes encontros da área da aviação têm sido utilizados – na Labace 2018, o maior evento de aviação de negócios da América Latina, houve a campanha #VoeLegal, para conscientizar da necessidade de manter voos regulares. O rigor da legislação é levado em conta: multas, suspensão da licença dos pilotos e interrupção dos voos de uma aeronave podem levar a prejuízos bem maiores que os possíveis lucros com a operação irregular.

Operações irregulares também incluem negociações envolvendo arrendamento de aeronaves, agências de turismo e até casos que tentam ser identificados como aeronaves simplesmente cedidas. No mundo dos artistas e do entretenimento, a ampla divulgação das recentes ocorrências também ajuda a evitar que o problema se repita. Segundo o diretor da ABAG, além de chamar a atenção, os flagrantes envolvendo grandes eventos ou famosos são comuns porque é fácil de caracterizar os voos envolvidos como de interesse comercial, e não particular.

Militares da Força Aérea Brasileira apoiam fiscais da ANAC durante uma Operação Ágata Foto: Força Aérea Brasileira

Há ainda casos de pessoas que têm a ousadia de até anunciar o serviço ilegal na internet, sendo facilmente flagrados. Porém, o problema acontece também de maneira desconhecida, sobretudo nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, onde há maior dificuldade de fiscalização.

Mas o desafio maior tem sido conscientizar os próprios usuários. “O maior problema é o usuário, que opta por fazer o voo de forma mais barata, muitas vezes menosprezando a segurança, sem conhecimento de causa. Mas também tem gente que não é bobinha”, diz Flavio Pires. Por esse motivo, também tem sido divulgado que passageiros também podem ser arrolados em processos por conta de voos irregulares. “É um pouco parecido com o cidadão que causa uma situação a bordo de uma aeronave”, explica. E completa: “Por isso são necessárias as campanhas para reforçar a ideia na mente das pessoas”

Risco

A prática é um risco para a aviação. Na visão do Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (CENIPA), a operação em desacordo com as legislações aeronáuticas em vigor pode implicar em níveis de segurança abaixo dos mínimos aceitáveis estabelecidos pelo Estado Brasileiro. “Cria-se um ambiente favorável ao surgimento de condições inseguras latentes, as quais podem contribuir para um eventual acidente aeronáutico”, informa o CENIPA.

Um dos casos que mais chocou a opinião pública aconteceu em dezembro de 2016, quando um helicóptero Robinson R44 caiu e matou uma noiva que seguia para seu casamento, além do seu irmão, uma fotógrafa que estava grávida e o próprio piloto. A empresa negou a situação irregular, mas já havia sido denunciada pela prática de táxi-aéreo clandestino e estava com autorização apenas para voos particulares, e não para o transporte pago de passageiros.

Além disso, a aeronave também não poderia voar por instrumentos, e no dia do acidente chovia e o céu estava encoberto, sem condições visuais. Segundo a ANAC, o fato de uma empresa ser registrada e homologada como táxi-aéreo significa que ela é submetida a um processo de vigilância continuada. A regulação para aeronaves destinadas à comercialização do transporte de terceiros é mais rigorosa do que a exigida para aquelas de uso privado. Empresas e aeronaves que prestam serviço de táxi-aéreo demandam treinamentos mais exigentes para pilotos, manutenção mais detalhada, certificação da empresa, entre muitos outros requisitos para tornar o serviço muito mais seguro.

Ameaça ao setor

O aumento das fiscalizações tem agradado quem cumpre todas as normas. “Estamos muito contentes com estes primeiros resultados da campanha contra o táxi pirata. A fiscalização agora está sendo efetiva, pois foram alocados funcionários, assinados convênios com o Ministério Público da União, Polícia Federal e demais órgãos envolvidos para encaminhar os casos”, argumenta Flavio Pires, diretor-geral da ABAG.

O fato é que o táxi-aéreo clandestino tem sido uma ameaça à própria sobrevivência das empresas em situação regular. Nos últimos anos, em muito devido à terrível crise econômica, o segmento encolheu. Não apenas em número de empresas, passando de mais de 300 há três anos para 172, mas também em frota. Muitas companhias reduziram a quantidade de aeronaves disponíveis para o fretamento em função da concorrência desleal.

Por outro lado, há que se olhar também para o futuro, buscando soluções – e assim a modernização também está na pauta da ABAG. “Queremos acompanhar os novos modelos de negócios que estão surgindo como o Uber do táxi-aéreo e similares, mas tudo dentro da prática legal e sem concorrência predatória”, esclarece Flávio Pires. Segundo ele, é preciso também ajudar as empresas que trabalham de maneira correta – “se baixasse o nível de exigências burocráticas sem baixar o nível de segurança, seria ótimo”.

O tempo e o investimento necessários para regulamentar um táxi-aéreo acaba sendo uma barreira para as empresas atuarem de maneira legal.

A ANAC também conta com o apoio de órgãos policiais para as atividades de fiscalização

Como denunciar?

De acordo com a ANAC, o táxi-aéreo irregular é uma prática de difícil identificação e punição, pois há grande resistência do próprio usuário em denunciar o uso e o pagamento por um serviço ilegal. Exatamente por isso foi lançada a campanha “Voe seguro, não use táxi-aéreo clandestino”.

O objetivo é conscientizar os usuários dos riscos de contratar um serviço irregular. Ao contratar um serviço de aerotáxi, é essencial que o usuário certifique-se de que a empresa está autorizada a prestar tal serviço; cada aeronave (avião ou helicóptero) possui a sua própria autorização, emitida pela ANAC. Em caso de dúvida, o usuário pode consultar o site da agência e verificar quais empresas estão ativas para a prestação do serviço. Lá é possível verificar, a partir das marcas de nacionalidade e matrículas (prefixo), se a aeronave está autorizada a operar como táxi-aéreo.

O cidadão que desejar denunciar qualquer situação de irregularidade envolvendo o serviço de táxi-aéreo pode registrar sua manifestação no “Fale com a ANAC”, canal disponível no portal da ANAC ou via telefone, pelo número 163. As denúncias serão verificadas e apuradas pela área de fiscalização da Agência.

Essa reportagem foi originalmente publicada na Revista Asas N° 104. Acesse a nossa loja para ver os nossos números!

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Comentários

  • O grande problema que temos hoje é a diminuição da fiscalização em várias regiões do país. Um exemplo é a região Norte, a ANAC vem diminuindo sistematicamente nos ultimos dez anos a sua presença nessa região e os reflexos dessa estratégia são avalasadores, os estados da região como Pará e Amazonas subiram para 7° e 9° lugares em número de acidentes, ainda mais alarmante é o número de mortes nessa região. O Estado do Pará é o quarto que mais mata em acidentes aeronáuticos (fonte CENIPA), ficando atrás apenas de SP, MG e MT. E hoje é o estado campeão em mortes em táxi Aéreo. A ANAC pretende fechar os núcleos da ANAC de Porto Velho, Macapá e Belém nos proximos 18 meses, deixando um único núcleo em Manaus para fiscalizar toda a regiao Norte que corresppnde a 45,2% do território nacional.

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