Da Redação
Realizou ontem, 24 de dezembro, o seu primeiro voo o novíssimo avião anfíbio chinês, o AVIC AG600 Kunlong. Maior aeronave anfíbia já construída, o AG600 realizou seu voo de estréia em Zhuhai, Guangdong, centro de testes da indústria aeronáutica chinesa.
Dentro do ambicioso plano estatal de crescimento e modernização da aviação chinesa, que visa não apenas a paridade tecnológica (e militar) mas também de competitividade (comercial) com o Ocidente, o AG600 é um dos três projetos de “grandes aeronaves” suportados diretamente pelo Governo – os outros são o transporte militar Xian Y-20 e o jato comercial C919. O Y-20 fez seu primeiro voo em 26 de janeiro de 2013, entrando em serviço em 6 de julho de 2016, na aviação militar da China; e o C919 estreou em voo neste ano de 2017, em 5 de maio. Com o voo ontem do AG600, a China completa assim as estreias em voo de sua “tríade” de programas de grandes aeronaves.
O AVIC AG600 é um anfíbio de design relativamente tradicional, com a parte inferior de sua fuselagem sendo tipo “casco”, como um hidroavião, e um conjunto de trem de pouso retrátil, para operações em terra. Quando do anúncio de seu voo ontem, como o maior avião anfíbio do mundo, alguns se lembraram do malfadado Hughes H-4 Hercules, o “Spruce Goose”, que tinha dimensões maiores que as do avião chinês; porém, o H-4 era um hidroavião “puro”, incapaz de operações em terra, ao contrário do AG600, um anfíbio.
Com envergadura de 38,8m e comprimento de 36,9m, o AG600 tem altura de 12,1m e pode decolar (segundo o fabricante) com um peso máximo de 53.500kg, tendo uma performance (estimada) de velocidade máxima de 570km/h, alcance de 4.500km e teto operacional de 10.500m. Além disso, segundo contou a ASAS uma testemunha do primeiro voo (realizado da pista de Zuhai), o AG600 demonstrou possuir notável desempenho STOL (decolagens e pousos de pistas curtas). No caso, no voo de ontem, o protótipo teria decolado com uma corrida de pista de menos de 500m! Quadrimotor, o AG600 utiliza os turboélices WJ-6, versão chinesa dos motores russos da série Ivchenko AI-20.
Segundo os chineses, a aeronave tem finalidades civis e militares, no primeiro caso sendo capaz de atuar como aeronave-bombeira (com capacidade para até 12.000kg de água), de carga/passageiros, e para missões de busca e resgate (SAR), podendo acomodar até 50 pessoas – num perfil operacional muito similar ao do anfíbio a jato russo Beriev Be-200 (que, porém, é menor, com peso máximo de decolagem de 41.000kg).
Com a crescente presença militar e as cada vez mais enfáticas ambições de Pequim na área do Mar do Sul da China, incluindo demandas de soberania territorial que conflitam com as de outras nações da região (inclusive aquelas aliadas dos EUA), parece que a utilização militar é de fato uma prioridade no programa do AG600. O aparelho, por exemplo, é capaz de chegar (num voo de apenas quatro horas, decolando da cidade chinesa de Sanya) até o conjunto de ilhotas James Shoal, que apesar de estar a apenas 83km da costa de Bornéu (Malásia), é alvo de demanda territorial pela China; que também tem “construído” diversas ilhas artificiais, sediando instalações militares, na área – bases estas que teriam no AG600 um veículo rápido e de apreciável capacidade para transporte, logística e outras funções. Por outro lado, uma versão de combate anti-submarino (ASW) do aparelho poderia ter nestas ilhas artificiais as suas bases de operação, estabelecendo praticamente uma “zona tampão” no Mar do Sul da China contra as operações de submarinos de outras nações.
As pretensões chinesas no Mar do Sul da China são contestadas pelas Filipinas, Vietnã, Brunei e Malásia, com estes países não estando nem de perto em condições de se impor à Pequim. E não faltam motivos para o interesse chinês na área. Além de ser um relevante “entrocamento” de rotas marítimas, estima-se que o solo marinho do Mar do Sul da China tenha reservas petrolíferas da ordem de 11 bilhões de barris, e algo em torno de 5,4 trilhões de metros cúbicos de gás natural. E, como se isto já não justificasse o apetite de Pequim na região, esta abriga também uma das mais importantes zonas pesqueiras do mundo – de fato, 12% de todo o pescado do mundo vem dali. E a pesca é uma das mais importantes atividades econômicas da China, que responde por 17,4% da pesca marítima mundial, gerando ao país cerca de US$ 20 bilhões em exportações (número de 2013).
Fotos de Gao Han, direto de Zuhai (China), exclusivas para ASAS.
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