AVIAÇÃO MILITAR & DEFESA DOS ARQUIVOS DE ASAS

O Dia do Sacrifício

Capitão Horácio, Tenente Lara e Tenente Lima Mendes. Há exatos 75 anos, em 22 de abril de 1945, os três realizaram um sacrifício até hoje lembrado pelos militares da Força Aérea Brasileira. Em um só dia, cada um cumpriu três missões de combate contra alvos nazistas no Norte da Itália.

Para se ter uma ideia do imenso esforço, a cada missão realizada a bordo dos caças P-47 Thunderbolt, os pilotos chegavam a perder até 2 quilos, em razão do forte calor e do desgaste físico. Eles também enfrentavam a morte, que poderia vir dos disparos da incansável artilharia antiaérea inimiga.

Naquele 22 de abril, Horácio, Lara e Lima Mendes decolaram às 8h, 11h40 e 16h. Lançaram bombas e metralharam alvos inimigos, sobrevivendo às três missões consecutivas, separadas por pouco tempo de descanso em solo.

“Só quem esteve em combate sabe o que é voar mais de uma missão no mesmo dia”, escreveu o Major-Brigadeiro do Ar Rui Moreira Lima, em seu livro “Senta a Pua!”. Ele mesmo, na época tenente, também fez parte daquele dia histórico para a FAB: um grupo de apenas 22 pilotos realizou 44 voos, com onze esquadrilhas de quatro caças P-47 fustigando alvos entre as 8h e 17h. Em todos os ataques, os brasileiros lançavam bombas em pontos estratégicos e passavam a procurar novos alvos, como blindados e caminhões, durante retorno à base.

Apenas uma baixa aconteceu, e já na última missão. O Tenente Coelho mergulhou sobre um alvo e, atingido, precisou saltar de paraquedas. Internado em um hospital alemão, dias depois recebeu a rendição de um oficial inimigo e a tarefa de proteger a vida dos feridos até o fim da guerra.

A data até hoje é celebrada na Força Aérea Brasileira como o Dia da Aviação de Caça.

Recorde

Engana-se quem pensa que o esforço acabou ali. Por mais três dias, depois de 22 de abril, os pilotos brasileiros voaram o suficiente para colocar dez esquadrilhas no ar diariamente. No mês de abril, eles quebraram recorde de missões na campanha da Itália: 135 em apenas 30 dias, o equivalente a 31% dos seis meses anteriores.

Entre 6 e 29 de abril de 1945, o Primeiro Grupo de Aviação de Caça do Brasil realizou 5% das missões de ataque dos países aliados na região na Itália, mas foi responsável por 15% dos veículos inimigos destruídos, 28% das pontes atingidas, além de 36% dos depósitos de combustível e 85% dos depósitos de munição danificados.

Naquele mês, dois de seus pilotos foram feridos: Capitão Pessoa Ramos e Aspirante Diomar Menezes. Os tenentes Marcos Coelho de Magalhães, Armando Coelho e Goulart saltaram de paraquedas sobre território inimigo e só retornaram ao final do conflito. Já o Tenente Dornelles acabou abatido e faleceu em seu caça P-47 apenas nove dias antes do término da guerra. Conhecido pela bravura, ele realizou 89 missões de combate.

Esforço

A história de heroísmo começou com a recusa dos brasileiros em abandonarem o combate. Após quatro meses, o Primeiro Grupo de Aviação de Caça teve de desativar uma de suas quatro esquadrilhas, por falta de pilotos. A unidade tinha agora metade do efetivo de aviadores que desembarcaram em Nápoles no ano anterior. Mortes e baixas por saúde exigiam cada vez mais empenho e dedicação.

A situação preocupou o comando das forças aliadas. Foi sugerido que a unidade, a única de caça da FAB em combate, fosse desativada. Seu efetivo seria distribuído nos grupos de outros países. Os brasileiros se recusaram. Na prática, a resposta brasileira significava voar mais, com maior frequência, arriscando a própria vida num esforço físico cada vez maior.

Essa história de heroísmo aconteceu no contexto da grande ofensiva aliada já perto da rendição dos nazistas, ocorrida dia oito de maio. A todo custo, os aliados tinham de dominar a região do Vale do Pó para impedir que o exército nazista, em retirada, formasse uma nova linha de resistência. Já experientes, os pilotos tinham a exata noção das consequências da decisão de voar mais.

A maioria dos brasileiros chegaria ao final da guerra com mais de 50 missões. Para se ter uma ideia, um piloto americano retornava aos Estados Unidos depois de 35 missões, ficando fora de combate por seis meses, ou voava até completar, no máximo, cem missões, quando encerrava sua participação na guerra. Entre os brasileiros, o Tenente Alberto Martins Torres, que já era veterano na chamada “Batalha do Atlântico”, na caça contra submarinos, alcançou a marca de 100 missões de combate na Itália.

Reconhecimento

Em 1986, o Primeiro Grupo de Aviação de Caça, unidade da FAB ainda ativa, sediada no Rio de Janeiro (RJ) e equipada com caças F-5, se tornou a terceira unidade não pertencente às Forças Armadas Americanas a receber a Presidential Unit Citation, comenda do governo dos Estados Unidos.

A recomendação foi do Coronel Ariel Nielsen, comandante do 350th Figther Group, unidade a qual os brasileiros estavam subordinados durante a campanha na Itália. Ele escreveu em sua recomendação:

“Nas perdas que sofreram nessa ocasião, como também em muitos ataques anteriores, tiveram seu número de pilotos reduzidos à metade em relação às unidades da Força Aérea dos Estados Unidos. Porém, um número igual de surtidas, operando incansavelmente e além do normal no cumprimento do dever. A manutenção dos seus aviões foi altamente eficiente, a despeito das avarias sofridas pela antiaérea e o desgaste despendido na recuperação dos aviões. Este grupo entrou em combate na época em que a oposição antiaérea aos caças bombardeios estava em seu auge. Suas perdas têm sido constantes e pesadas e não têm recebido o mínimo de pilotos de recompletamento estabelecido. Como o número de pilotos cada vez diminuía mais, cada um deles teve que voar mais de uma missão diária, expondo-se com maior frequência. Em muitas ocasiões, como Comandante do 350th Fighter Group, eu fui obrigado a mantê-los no chão quando insistiam em continuar voando, porque eu acreditava que eles já haviam ultrapassado os limites de sua resistência física.”

Ficha das missões de 22 de abril de 1945

Missão Nº 372
Pilotos: Horácio, Lara, Lima Mendes e Canário
Armamento: metralhadoras .50 e bombas de emprego geral de 500 libras
Decolagem: 8h30
Pouso: 10h30

Missão Nº 373
Pilotos: Pessoa Ramos, Rocha, Perdigão e Paulo Costa
Armamento: metralhadoras .50, bombas de emprego geral de 500 libras e foguetes M8
Decolagem: 8h35
Pouso: 10h25

Missão Nº 374
Pilotos: Dornelles, Poucinha, Eustórgio e Pereyron
Armamento: metralhadoras .50 e bombas de emprego geral de 500 libras
Decolagem: 8h40
Pouso: 10h30

Missão Nº 375
Pilotos: Nero Moura, John Buyers, Neiva e Goulart
Armamento: metralhadoras .50
Decolagem: 9h45
Pouso: 11h55

Missão Nº 376
Pilotos: Rui Moreira Lima, Meira, Tormin e Coelho
Armamento: metralhadoras .50
Decolagem: 10h55
Pouso: 12h55

Missão Nº 377
Pilotos: Horácio (2ª missão no dia), Lara (2ª missão no dia), Lima Mendes (2ª missão no dia) e Canário (2ª missão no dia)
Armamento: metralhadoras .50
Decolagem: 11h40
Pouso: 13h20

Missão Nº 378
Pilotos: Dornelles (2ª missão no dia), Eustórgio (2ª missão no dia), Torres e Poucinha (2ª missão no dia)
Armamento: metralhadoras .50
Decolagem: 12h40
Pouso: 14h40

Missão Nº 379
Pilotos: Pessoa Ramos (2ª missão no dia), Rocha (2ª missão no dia), Perdigão (2ª missão no dia) e Paulo Costa (2ª missão no dia)
Armamento: metralhadoras .50
Decolagem: 13h45
Pouso: 15h35

Missão Nº 380
Pilotos: Nero Moura (2ª missão no dia), Goulart (2ª missão no dia), Neiva (2ª missão no dia) e Pereyron (2ª missão no dia)
Armamento: metralhadoras .50
Decolagem: 14h45
Pouso: 16h55

Missão Nº 381
Pilotos: Meira (2ª missão no dia), Tormin (2ª missão no dia), Keller e Coelho (2ª missão no dia)
Armamento: metralhadoras .50
Decolagem: 15h45
Pouso: 17h15

Missão Nº 382
Pilotos: Horácio (3ª missão no dia), John Buyers (2ª missão no dia), Lara (3ª missão no dia) e Lima Mendes (3ª missão no dia)
Armamento: metralhadoras .50
Decolagem: 15h15
Pouso: 17h20

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