Neste domingo, 27 de setembro, forças militares do Azerbaidjão iniciaram operações contra posições das Forças Armadas da Armênia, incluindo ataques aéreos realizados com drones armados. O ataque foi feito, segundo o Governo azeri, em resposta à ações de forças armênias contra as suas, o que a Armênia negou, e muitos analistas temem possa se converter numa guerra ampla e sem “meias palavras” entre as duas nações.
Como é infelizmente comum nestes casos, muita coisa está sendo afirmada, sem comprovação, pelos dois lados envolvidos. Então, nesta matéria, a equipe de ASAS busca oferecer uma visão geral das forças envolvidas e das razões dos combates – além de outros fatores envolvidos.
Então, vamos lá.
Quem são as partes envolvidas?
As Forças Armadas da Armênia tem um contingente de cerca de 45 mil homens, sendo 42 mil no Exército e 3 mil da Força Aérea e Defesa Aérea. O orçamento militar é de 4,9% do PIB, o que dá aí pouco mais de US$ 650 milhões para a Defesa armênia.
Grande parte dos equipamentos são “herdados” da União Soviética – a Armênia é uma ex-república soviética; mas o país tem tentado modernizar os seus meios, e nisso seu maior parceiro atual é a Rússia.
A Força Aérea da Armênia conta com apenas 14 jatos de ataque Su-25, todos modernizados pelos russos para o padrão Su-25SM3. O único outro tipo de avião de combate são 4 caças multifuncionais Su-30SM, já em serviço – estão para serem recebidos outros 8. Fora isso, os armênios tem 15 helicópteros de ataque Mil Mi-35. Além de uns 12 Mi-8, de diversas versões.
A Defesa Antiaérea tem baterias de longo alcance S-300PM, e uma variedade de sistemas de médio e curto alcances, todos de origem soviética e russa. Entre os mais antigos estão baterias de 2K12 Kub, 9K35 Strela, e S-125 Pechora e Pechora 2M. Nenhum deles uma defesa efetiva nos dias de hoje. O único sistema mais moderno, e efetivo, são umas baterias de BUK M2. Lembrando que o S-300PM, de longo alcance, até é moderno, mas seu perfil operacional não o faz muito efetivo num combate “tático” como o que está ocorrendo…
Já o outro lado, as Forças Armadas do Azerbaidjão, tem um contingente de cerca de 67 mil homens, sendo 56 mil no Exército, 8.500 da Força Aérea e 2.500 da Marinha. O orçamento militar é de 4% do PIB, mas o país é produtor de petróleo, então estes 4% dão um orçamento de Defesa de pouco mais de US$ 7,5 bilhões.
Assim como a Armênia, grande parte dos equipamentos são de “herança” da União Soviética, mas o Azerbaidjão tem investido muito na modernização e, apesar da Rússia ainda liderar como fornecedora, o país tem fechado importantes contratos com Israel e, mais recentemente, com a Turquia.
Na defesa aérea, os azeris tem muitos dos velhos sistemas, como os armênios, mas somaram a estes alguns mais modernos e bem efetivos, como o russo TOR-M2E e o israelense Barak-8, um sistema de última geração. No campo de longo alcance, tem baterias tanto de S-300PMU quanto dos mais antigos S-200.
A Força Aérea azeri pode colocar em combate 13 MiG-29 e 16 Su-25, além de 24 Mi-35 e 12 Mi-24G, uma modificação do “Hind” desenvolvida por ucranianos e sul-africanos especialmente para o Azerbaidjão, com ênfase em missões noturnas. E mais ainda uns 17 Mi-24 não-modernizados.
E o Azerbaidjão ainda se equipou, nos últimos tempos, com uma respeitável força de drones, a grande maioria adquiridos de Israel. Entre os modelos capazes de levar armas estão 50 IAI Harop e uma centena, de cada, dos SkyStriker e Orbiter 1K. E tem sido mencionado o uso, em ataques, de drones Bayraktar TB2, de fabricação turca, mas isso ainda precisa de confirmação – algumas fontes observam que estes ataques podem ter sido feitos por drones Hermes 450, também de origem israelense – dos quais o Azerbaidjão possui uns dez.
Bem, deu para perceber que o Azerbaidjão possui uma superioridade não apenas quantitativa, mas também técnica – sobretudo em sistemas de defesa aérea e na capacidade de ataque aéreo não-tripulado. Num esforço para incrementar um pouco as defesas aéreas armênias, no próprio domingo, algumas baterias de sistemas TOR M2 russos chegaram na Armênia em cargueiros Antonov 124.
Bom, estes são os lados.
E o motivo?
O motivo é o enclave de Nagorno-Karabak, uma área disputada pela Armênia e o Azerbaidjão que gerou uma guerra entre as duas repúblicas, nos estertores do fim da União Soviética, durando de 1988 a 1994. Tendo levado vantagem, na época, no confronto militar, a Armênia ficou “de posse” do enclave.
A animosidade entre armênios e azeris, porém, é muito pior do que uma disputa deste tipo costuma ser! É preciso lembrar que a população armênia é majoritariamente cristã, enquanto o Azerbaidjão é muçulmano. Quando houve a independência da União Soviética, o Azerbaidjão foi acusado de fazer uma “limpeza étnica”, removendo de seu território cerca de meio milhão de armênios étnicos – em contrapartida, ao vencer a guerra em 1994, os armênios foram acusados de ação similar, com a expulsão do enclave de cerca de meio milhão de azeris. Hoje, a população no enclave é de cerca de 145 mil pessoas, praticamente todas de etnia armênia.
Desde então, tem havido diversos momentos de choque na chamada “linha de separação”, muitos quase virando uma nova guerra aberta. O mais recente destes choques, antes deste agora, foi em abril de 2016, resultando em cerca de 90 combatentes mortos, de cada lado, e também a morte de 18 civis.
Sobre o nível de violência, nestes confrontos, existem relatos bastante confiáveis de que ambos os lados tem tido como prática não fazer prisioneiros de guerra, executando sumariamente os combatentes inimigos capturados…
Para piorar, desde o cessar-fogo de 1994, a Armênia ocupou boas porções de território azeri, literalmente unindo o enclave ao território armênio. Nestas áreas, um “cinturão” ao longo dessa nova “fronteira” imposta, que varia de 3 a 5km, foi montado pelos armênios como dispositivo de segurança, nele constando extensas áreas densamente minadas, cerca de 1/3 desse terreno. Bastiões de defesa, bem montados pelos armênios em colinas, dominam os campos minados do cinturão de segurança – permitindo que mesmo pequenas forças de defesa consigam conter uma força invasora muito maior.
Não por acaso, portanto, a ofensiva terrestre do Azerbaidjão, iniciada no domingo, vem visando exatamente retomar este terreno ocupado fora do enclave – e na prática, voltar a isolar o próprio enclave do território armênio
Sintomático, na “guerra de propaganda”, paralela, os armênios divulgaram exatamente imagens de tanques e blindados azeris sendo neutralizados por mísseis antitanque leves, dessas tropas de defesa. Apesar disso, o Ministério da Defesa azeri anunciou a tomada de uma série de vilarejos, embora, claro, nada disso tenha podido ser totalmente confirmado. Além disso, ainda no domingo, o Azerbaidjão divulgou vídeos que mostrariam diversas baterias da defesa aérea armênia sendo colocadas fora de ação em ataques de seus drones. Segundo ASAS pode apurar, os ataques azeris com drones neutralizaram de fato diversos sistemas de defesa antiaérea armênios, sendo estes quatro (ou seis) de mísseis 9K33 Osa e três de mísseis 9K35 Strela – ambos tipos antigos, de curto alcance, montados em blindados leves. Vale dizer que estes sistemas antiaéreos antigos, soviéticos, são pouco eficazes contra drones – é lógico.
Ambos os lados estão acusando o outro de bombardeios de artilharia atingindo civis.
Entre os militares, falava-se de algo entre 15 e 20 mortos, de cada lado, até esta segunda. Segundo a agência Russia Today, num informe na noite de domingo para segunda, o Ministério da Defesa do Azerbaidjão confirmava a perda de um helicóptero, abatido mas a tripulação sobrevivera e fora resgatada, e creditava a destruição de 12 sistemas de defesa aérea armênios. Já o Exército da Armênia reivindicava o abate de dois helicópteros e três drones, além da destruição de três tanques azeris. Mais tarde, na noite de segunda (dia 28), os militares armênios citavam a derrubada de mais dois helicópteros azeris. Em contrapartida, nesta terça (29), o Exército do Azerbaidjão divulgou que um regimento de infantaria armênio inteiro teria sido destruído, no fronte sul da ofensiva, e surgiu o vídeo de um blindado de foguetes de artilharia TOS-1, do Azerbaidjão, disparando contra posições armênias.
Fontes ocidentais, entretanto, tem citado um número bem maior de tanques e blindados destruídos, de ambos os lado – mas sem citar qualquer fonte de confirmação. Além disso, no caso de escalada do conflito, é muito preocupante o fato de que ambos os lados possuem arsenais modernos de mísseis balísticos de médio e curto alcance, que poderiam ser terrivelmente destrutivos contra a população civil, por exemplo. No caso da Armênia, o país possui baterias dos modernos Iskander-E, da Rússia, além de diversos Scud e Tochka, dos tempos soviéticos. O Azerbaidjão também tem os Tochka, mas recentemente adquiriu os modernos LORA, de Israel, de 400km de alcance.
Nesta terça, ainda, uma reportagem do jornal britânico The Guardian citava que uma empresa de segurança privada da Turquia estaria já recrutando mercenários muçulmanos, inclusive na Síria, para combaterem junto das forças azeris, contra a Armênia. O Governo turco, que nos últimos tempos tem atuado efetivamente em apoio de facções em conflitos em outros países, como Síria e Líbia, já expressou seu apoio ao Azerbaidjão – embora (ainda) sem comprometimento direto. Mas a reportagem do The Guardian mostra que o conflito iniciado no domingo pode já estar no caminho de crescer, inclusive com o envolvimento de outros países.
Texto de Claudio Lucchesi
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