Imagine produzir aviões em um país onde ainda não havia sequer fábrica de bicicletas. Transformar uma região agroexportadora em um polo de alta tecnologia. Modernizar a Força Aérea com soluções próprias. Criar aeronaves capazes de atender às demandas operacionais do Brasil e ainda alcançar sucesso no mundo. “É impossível” certamente foi a uma das frases mais ouvidas naquela época. Mas aquele sonho se tornou realidade. Há mais de 50 anos, o “impossível” voava e iniciava a história da indústria aeroespacial no Brasil. É um capítulo memorável da história brasileira, cheio de sonhos e feitos verdadeiramente heroicos, que poderia virar um filme.
E vai virar. A animação O Voo do Impossível é um projeto inédito da Embraer. A ideia partiu da sensibilidade de João Marcos Massote, diretor de criação na área de Marketing e Eventos da empresa. “Senti uma forte necessidade de recontar a história da empresa tendo como fio condutor não mais os produtos ou decisões institucionais, mas o fator humano e as decisões do coração. Quem conhece a Embraer sabe que as motivações que impulsionam aqueles que ali trabalham são de ordem puramente emocionais. Um orgulho e uma paixão genuína de pertencer a um projeto que sempre desafiou o impossível e mostrou que o Brasil poderia voar mais alto”, conta Massote, que assina a produção como diretor e corroteirista.
Com o projeto de Massote colocado em andamento pela Embraer, foi convidado para a sua execução o estúdio de animação 3D Mono Animation, sediado em São Paulo, com mais de 13 anos de atividade. Sob o comando de um trio nipônico, Bruno Bask, Eduardo Nakamura e Rui Okusako, a empresa foi destaque no Festival de Gramado de 2019, quando exibiu os avanços técnicos da animação e o crescimento no mercado brasileiro. E a produtora encarou o O Voo do Impossível como um desafio particular. Mais de 50 pessoas foram envolvidas em etapas de criação de personagens, storyboard, layout, artes e animação.
“Contar histórias é o que a gente mais sabe fazer e esse vídeo foi muito desafiador”, diz Eduardo Nakamura. Acostumado a trabalhar com alta tecnologia no dia a dia, o publicitário disse ter tido um impacto logo ao ter contato com a própria trajetória de Ozires Silva e da criação do Bandeirante e da Embraer. “O Brasil era um país agrícola, só produzia matéria-prima. A gente não fazia nem bicicleta. Como é que iria fazer avião?”, conta.
A escolha pela animação 3D se deu pelas possibilidades de uma abordagem mais lúdica e por mais liberdade para “movimentos de câmera”. Ainda assim, não é um trabalho infantil: a direção remete ao cinema clássico, resultando em um filme com uma estética audiovisual adequada à época que retrata. Uma das referências é o trabalho de Jean Manzon, o cineasta que dirigiu o documentário O Bandeirante no Ar, de 1969. O Voo do Impossível também é uma homenagem a ele.
O roteiro tem uma narrativa capaz de envolver qualquer brasileiro. Começa com Alberto Santos Dumont, mas logo se transfere para uma bucólica paisagem do interior paulista, onde dois garotos cultivam sonhos. A dupla conduz a história tendo, de um lado, as aspirações de quem sonha com o futuro. Do outro, a descrença, o “complexo de vira-lata” do povo brasileiro. Um dos meninos se chama Zico. E o outro (atenção para o spoiler) – é Ozires. Ozires Silva.
Nascido em Bauru em 8 de janeiro de 1931, Ozires Silva foi o principal nome por trás do Bandeirante, o primeiro avião brasileiro, e, posteriormente, da criação da Embraer. Foi presidente da companhia e teve posteriormente atuação como ministro, presidente da Petrobras e com destaque, mais recentemente, na área de Educação.
O avião Bandeirante está intrinsecamente ligado à História. Projetado para ligar regiões remotas, dotadas de pouca infraestrutura, estava longe de ser o maior ou o mais sofisticado dos aviões da época, mas atendia às necessidades do Brasil. Seu sucesso levou à criação da Embraer, necessária para fabricar a aeronave em série. O resultado foi uma empresa que hoje se orgulha de, aos 50 anos, já ter produzido mais de oito mil aeronaves, em operação por todo o planeta. “Hoje, a Embraer simboliza o que a criatividade dos brasileiros é capaz, e o que estes podem alcançar quando superam as descrenças e alçam voos nas asas da educação”, argumenta Massote.
A atuação de Ozires Silva foi muito além do que poderia se esperar de um militar que fazia parte do CTA. Ele encarou desafios no hangar, nas pistas de pouso, nos gabinetes políticos e nos escritórios comerciais para tornar realidade o seu sonho de criar uma indústria aeronáutica brasileira. Uma trajetória que foi detalhadamente contada no livro O Voo do Impossível, lançado em fevereiro de 2019 pelo jornalista e pesquisador Claudio Lucchesi, editor de ASAS, como parte das comemorações dos 50 anos do primeiro voo do Bandeirante.
Foi aí que o acaso ajudou no projeto do filme. “Já havíamos iniciado a produção da animação e eu ainda não tinha me decidido sobre o título. Além disso, estava muito preocupado com o volume de detalhamentos técnicos que esse trabalho demandava. Estava além das minhas capacidades. Mas o destino sorriu para o projeto. Deixaram na minha mesa um exemplar de um livro recém-lançado: O Voo do Impossível – A História do Bandeirante, o avião que gerou a Embraer. Era o livro mais completo já escrito sobre aquele evento histórico. Sem perder tempo, entrei em contato com o autor, Claudio Lucchesi. Este se identificou imediatamente com a proposta do filme”, conta João Marcos Massote.
Além do poético título para o livro, Lucchesi também se tornou o diretor técnico e histórico do projeto do filme. “O nome veio logo na primeira conversa que eu tive com Ozires, numa das sessões de entrevista para o livro. Ele contou do descrédito que havia com o projeto, que seria impossível. O voo do Bandeirante foi o voo do impossível”, explica o autor.
O desenvolvimento do roteiro foi uma fase que misturava informações técnicas, criatividade e fantasia. Por um lado, houve um cuidado extremo com detalhes técnicos de aviação e históricos, com Lucchesi: representações das pinturas das aeronaves, uniformes e a linha histórica têm uma precisão invejável. O trabalho de pesquisa resultou em precisão técnica, permitindo que até as imagens reflitam com acuidade o que foi visto na época. Alguns diálogos reproduzem fielmente algumas conversas de pessoas reais. Por outro, os roteiristas se permitiram conduzir pelas emoções, em uma narrativa que vai agradar não apenas quem se interessa pelo assunto. “Até pelo fato de o filme ser uma animação se dá maior liberdade para a criatividade”, comenta Lucchesi, que se orgulha de ter ajudado na criação dos diálogos. “É um projeto que me deu muito orgulho de ter sido convidado!”
A animação deve ter cerca de 15 minutos e vai contar com algumas surpresas para quem realmente entende de história da aviação brasileira. Há pequenas referências, easter eggs, como são chamados, em várias cenas do filme. Em determinado momento, por exemplo, há uma imagem do gabinete do então Brigadeiro Casimiro Montenegro Filho, criador do ITA. Quem estiver atento verá que cada detalhe ali foi pensado com muito cuidado.
E, no que depender da Embraer, o filme terá um público bem além dos aficionados por aviação. “Faremos uma divulgação bastante forte, à altura do filme, que está ficando fantástico”, garante Luis Herrison, diretor de comunicação e marketing da empresa. A proposta é levar a animação para escolas e festivais, dentro e fora do Brasil. “A história é tão única, tão especial dentro da aviação brasileira que é superimportante contar para as novas gerações”, explica. A expectativa é que o público possa reconhecer naquela história o orgulho público que se tem da Embraer. “A alma da empresa está representada no filme”, completa.
A equipe, aliás, já está animada para continuar o trabalho. “O próximo roteiro que estamos trabalhando (e em busca de patrocínio) é sobre o Marechal do Ar Casimiro Montenegro, fundador do ITA e do CTA, mentor de Ozires. Uma história cheia de aventuras e reviravoltas inusitadas, determinantes para a fundação do Correio Aéreo Nacional e para a criação da indústria aeronáutica no país. Todos os brasileiros deveriam conhecê-la”, afirma João Marcos Massote. Que tenhamos muitos lançamentos assim!
O Voo do Impossível, o Livro
Lançado para comemorar os 50 anos do primeiro voo do Bandeirante, o livro, de Claudio Lucchesi, tem 320 páginas e contou com a participação do artista curitibano Anderson Subtil, que fez desenhos de várias aeronaves Bandeirante com as cores dos seus operadores civis e militares. Um dos destaques da obra é mostrar que o Bandeirante não é apenas mais uma das aeronaves operadas pela Força Aérea Brasileira ou outros operadores. Pelo contrário: foi fruto de uma visão de Brasil, de investimentos em ciência e tecnologia, da perspectiva de que o país pode ter destaque internacional. “O Bandeirante foi feito por pessoas que trabalhavam até tarde da noite, muitas vezes sendo substituídos por outra turma que trabalhava à noite. É isso o que o Brasil precisa, o sentimento de estar trabalhando por algo maior”, avalia o autor.
A obra pode ser adquirida diretamente com a editora Rota Cultural, pelo telefone (11) 3641-8494, pelo WhatsApp (11) 98250-5919, ou pelo site da editora.
Confesso que fiquei bem ansioso por essa animação 🙂